O clima de tensão que já rondava os bastidores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se confirmou às vésperas da eleição marcada para este domingo (25). Um grupo formado por 21 clubes das Séries A e B anunciou oficialmente que não participará da votação, em um movimento inédito de protesto contra o atual modelo de gestão da entidade e a forma como o processo eleitoral tem sido conduzido.
O comunicado conjunto, divulgado na noite desta quarta-feira (21), deixa claro o descontentamento dos clubes com o que consideram um sistema pouco democrático, sem transparência e que não representa de forma justa aqueles que são os principais responsáveis pelo futebol brasileiro: os próprios clubes.
“Sem clube, não tem futebol”. É essa a frase que abre e encerra a nota, que tem tom firme e evidencia uma insatisfação que, embora não seja nova, ganha agora contornos muito mais concretos e organizados.
Quais clubes estão no movimento?
Entre os que aderiram ao boicote estão grandes potências do futebol nacional, como Flamengo, Fluminense, Corinthians, São Paulo, Santos, Cruzeiro e Internacional, além de clubes tradicionais como Fortaleza, Athletico-PR, Cuiabá, América-MG, Goiás, Chapecoense, Coritiba, Atlético-GO, Botafogo-SP, Juventude, Mirassol, Novorizontino, Sport e Operário-PR.
O grupo representa um peso significativo tanto esportivo quanto econômico dentro do futebol brasileiro, somando milhões de torcedores e movimentando cifras bilionárias anualmente.
Por que os clubes estão insatisfeitos?
O principal ponto de insatisfação gira em torno da composição do colégio eleitoral da CBF. Atualmente, as 27 federações estaduais possuem muito mais peso na eleição do que os clubes, mesmo estes sendo os protagonistas da geração de receita, do desenvolvimento do esporte e da promoção do futebol brasileiro dentro e fora do país.
Essa disparidade foi escancarada mais uma vez durante o atual processo eleitoral. O único candidato à presidência da CBF é Samir Xaud, presidente da Federação de Futebol de Roraima, que conta com o apoio de 25 federações estaduais e 10 clubes.
Por outro lado, uma tentativa de candidatura de oposição, liderada por Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista, naufragou justamente por não conseguir o número mínimo de federações exigido no estatuto da CBF — são necessários, no mínimo, o apoio de oito federações e cinco clubes para registrar uma chapa. Reinaldo tinha o apoio de 29 clubes, mas apenas duas federações (São Paulo e Mato Grosso), o que inviabilizou sua participação no pleito.
O episódio reforçou a percepção, entre os clubes, de que o sistema atual privilegia as federações estaduais e marginaliza quem, de fato, faz o futebol acontecer no dia a dia.
O que os clubes querem?
O movimento não é apenas de oposição momentânea. Na nota divulgada, os clubes deixam claro que querem discutir, a partir da próxima semana, uma profunda reforma no estatuto da CBF, de modo a tornar o processo mais democrático, participativo e representativo.
Entre as principais pautas defendidas estão:
- Redução do peso das federações no colégio eleitoral;
- Maior representatividade dos clubes nas decisões da CBF;
- Mais transparência na gestão financeira e administrativa da entidade;
- Discussão sobre a criação e consolidação de uma liga independente, gerida pelos próprios clubes, para organizar os campeonatos nacionais.
Essa última pauta, aliás, tem ganhado força nos últimos anos. Modelos bem-sucedidos como a Premier League, na Inglaterra, e La Liga, na Espanha, servem de inspiração para os clubes brasileiros, que enxergam na criação de uma liga a possibilidade de maior autonomia financeira, organização profissional e crescimento sustentável do futebol no país.
A eleição segue, mesmo com o boicote
Apesar do boicote do grupo, a eleição está mantida para as 10h30 deste domingo (25), na sede da CBF, no Rio de Janeiro. Haverá, também, a possibilidade de voto remoto, para contemplar representantes que estejam envolvidos na rodada do Campeonato Brasileiro.
Samir Xaud, de 41 anos, médico e atual presidente da Federação Roraimense de Futebol, será eleito presidente da entidade para um mandato que vai de 2025 a 2029. Sua candidatura surge após a destituição de Ednaldo Rodrigues, que havia sido reeleito há apenas dois meses, mas perdeu o cargo em meio a uma série de disputas políticas e jurídicas.
Apesar das críticas, clubes como Palmeiras, Vasco, Grêmio, Botafogo, Paysandu, Remo, Criciúma, Amazonas, Volta Redonda e CRB apoiam a candidatura de Xaud, além da maioria esmagadora das federações estaduais.
O que esperar a partir de agora?
O movimento liderado pelos 21 clubes tem o potencial de ser um divisor de águas na história do futebol brasileiro. Embora a eleição vá acontecer e um novo presidente será definido, o sinal dado pelos clubes é claro: não há mais espaço para aceitar decisões tomadas sem diálogo, sem transparência e sem considerar quem sustenta o futebol brasileiro.
Se a nova gestão da CBF não abrir espaço para negociações e reformas, é possível que o debate sobre a criação de uma liga nacional, organizada pelos próprios clubes, ganhe força como nunca antes.
📢 Confira novamente um trecho da nota dos clubes: “O futuro do futebol brasileiro precisa ser construído com democracia, transparência e representatividade. Por isso, não participaremos da eleição. Seguimos abertos ao diálogo para discutir mudanças que fortaleçam o futebol no país. Sem clube, não tem futebol.”